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Entre o Algoz e a Verdade

Luzelia_Chaves
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Synopsis
Han Jiwon cresceu acreditando ser uma órfã, vivendo sob os cuidados do “tio” — em uma casa onde o silêncio escondia segredos profundos. Sem memória, após o suposto acidente que tirou a vida de seus pais, foi criada entre desconfianças e olhares que pareciam saber mais do que diziam. Mas… e se suas memórias voltarem? Entre mentiras, obsessão e segredos de sangue, Han Jiwon descobrirá que a verdade pode ser mais cruel que o esquecimento. Entre o Algoz e a Verdade — onde cada escolha pode custar a liberdade… ou o coração.
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Chapter 1 - A Casa que Nunca Foi Meu Lar

Naquela casa, o tempo parecia sempre mais frio do que o necessário. Mesmo quando o sol toca as janelas com gentileza, tentando, em vão, aquecendo os corações que ali viviam, tudo permanece envolto por uma névoa invisível — densa, silenciosa, sufocante.

À noite, os gritos de Han Jiwon cortavam o silêncio como facas afiadas. Eram pesadelos — frequentes, intensos —, como ecos de um passado que ela não conseguia lembrar, mas que seu corpo insistia em reviver. Diziam que era o trauma do acidente que levou seus pais, a tragédia que a deixou órfã e sem memória.

Mas Jiwon não tinha certeza se era só isso.

Aqueles sonhos esquecidos mais do que dor...Pareciam fragmentos. Como se algo em seu subconsciente quisesse gritar uma verdade esquecida, enterrada sob anos de silêncio.

E, mesmo sem sentido, ela sabia: Seus gritos não eram apenas fruto de saudade ou medo. Eram lembranças. Ou talvez... avisos.

Han Jiwon cresceu acreditando que seus pais haviam morrido num acidente de carro. Era o que todos diziam.

"Você teve sorte de sobreviver", diziam.

"Seu tio foi generoso em acolher você."

Mas Jiwon nunca se sentiu sortuda. Nem acolhida.

Aos 18 anos, Han Jiwon vivia em busca de respostas. Era estranho — dolorosamente estranho — como ninguém parecia se aproximar dela. As pessoas simplesmente se afastavam, como se algo nela causasse desconforto. A única exceção foi Lee Soyeon, sua melhor — e única — amiga desde os primeiros anos de escola. Agora, estavam juntas no último ano, apoiando-se uma na outra como duas sobreviventes num mar de indiferença.

Seo Minjae, seu primo, também era uma presença constante. Filho do tio que a acolhera após uma tragédia, ele sempre agia como um amigo leal — gentil, protetor, quase devoto. No meio ao vazio daquela casa e às sombras que ela carregava, Minjae e Soyeon eram os dois únicos pontos de luz que ainda a mantinham de pé.

— Você se atrasou de novo, Han Jiwon — disse a tia Kang Mira, ao entrar na sala. A voz era cortante, mas envolta em elegante.

Jiwon chega na sala se curvou levemente, como fazia desde que aprendeu que qualquer resposta era motivo para mais uma repreensão.

— Desculpe.

Seu "tio", Seo Kyungwoo, chegou alguns minutos depois, afrouxando a gravata e sorrindo apenas para ela.

—Boa noite, Jiwon. venha para o jantar! — disse ele, com um sorriso que não alcançava os olhos.

— Sim, senhor — respondeu, forçando um tom neutro.

Jiwon está voltando para a mesa, quando Seo Minjae está chegando. Com os cabelos escuros um pouco bagunçados e o uniforme da escola ainda mal tirado, ele caminhou até a mesa e arrastou a cadeira ao lado dela.

— Jiwon-ah, sente aqui perto. Tô com fome ! — disse, sorrindo.

Minjae sempre foi diferente. Ele a chamou de "irmã", e parecia entender isso de verdade. Era gentil, protetor, às vezes até carinhoso demais. E por mais confuso que aquilo fosse, era também o que mantinha o coração de Jiwon mais tranquilo, ele estava sempre a proteger, até mesmo de sua mãe.

Naquela noite, depois do jantar, estava indo para a cozinha tomar água, quando ouviu vozes na sala ao lado.

— Aquela menina... ela não é da nossa família, Kyungwoo. Nunca foi — disse a tia Kang Mira, em tom baixo, mas carregado de veneno.

— Já conversamos sobre isso — respondeu o tio, em voz firme. — Ela é minha responsabilidade.

Jiwon parou de respirar por um instante.

"Não é da nossa família."

"Minha responsabilidade."

As palavras ecoaram como trovões dentro do seu peito.

Ela sentia que sua presença ali nunca tinha sido bem-vinda. Desde o início, ela era apenas uma responsabilidade que seus tios assumiam, não um verdadeiro membro da família. Era um pensamento doloroso, mas também libertador, pois agora ela entendeu o que sempre sentiu, mas nunca soube como explicar.

Naquela noite, Jiwon ficou em silêncio, olhando pela janela do quarto, abraçando a si mesma, enquanto a lua cheia iluminava o jardim de uma casa onde ela nunca se sentia em casa.

"O que sou eu, afinal?" , pensou, com o peito apertado. Ela se sente como uma sombra, vagando entre os cômodos, invisível, até para si mesma. " Eles me disseram que me acolheram. Mas às vezes, me questiono se eu não fui apenas aprisionada.

No seu pensamento, esquecer de seus pais e do passado estava sendo um castigo, ou uma maldição.

O silêncio da casa era opressor. A lua, lá fora, parecia um farol distante, iluminando um lugar que seria seu. Jiwon fechou os olhos, enxugando as lágrimas que insistiam em surgir. Não havia espaço para elas ali. Não havia espaço para ela, apenas para as expectativas que se impunham a cada passo que ela dava. 

O som da porta se abrindo a fez saltar, mas era apenas Minjae. Ele entrou no quarto com um sorriso preocupado, como se ele pudesse enxergar através de suas defesas, e isso faz com que se sinta vulnerável de uma forma que ela nunca permitiu a ninguém.

—você está bem? Perguntou ele.

Jiwon balançou a cabeça e tentou sorrir, mas a expressão de Minjae não mudou. Ele caminhou até ela e, de forma simples, colocou a mão sobre a dela. Era um gesto pequeno, mas que carregava algo mais profundo, algo que ela não conseguia entender, mas que lhe dava uma sensação estranha de conforto.

— Você sempre pode contar comigo — ele disse baixinho, antes de sair, deixando-a sozinha, mas com uma sensação de que ela não conseguiu identificar, como se ele tivesse deixado algo ali com ela.

Jiwon ficou ali, encarando a mão que ele tocara. Por mais que a sua vida estivesse envolta em esquecimentos e sombras, aquele toque, aquele gesto, parecia ser a única coisa real que ela poderia segurar.

Ela sabia que algo precisava mudar. Mas, por enquanto, tudo o que ela podia fazer era esperar. Esperar que o tempo trouxesse respostas, ou talvez, algum tipo de redenção para a vida que ela estava levando. Porque, no fundo, Jiwon sabia que aquela casa fria e vazia não era seu lar. Mas até onde ela conseguiria fugir disso?