Giz branco no quadro, Fileiras de olhos atentos, Novo mundo começa.
O dia amanheceu diferente. Não havia a lentidão habitual, o ciclo suave de despertar e de observar em silêncio. Havia uma tensão no ar, uma expectativa que emanava até mesmo de Sanae. Ela me vestiu com roupas simples, mas limpas e sem remendos – uma pequena túnica e calças que pareciam ser o uniforme não oficial para os novos ingressantes da Academia. Seu toque era mais firme, seus movimentos mais rápidos.
O caminho até a Academia foi feito em um silêncio carregado. Segurei a mão de Sanae com força, meus pequenos dedos agarrando os dela como uma tábua de salvação. As ruas pareciam mais cheias do que o normal, e notei muitas crianças da minha idade, algumas acompanhadas por pais com expressões que variavam do orgulho ansioso à preocupação resignada, outras caminhando sozinhas com uma determinação precoce no olhar. Todas convergiam para o mesmo destino: o imponente complexo da Academia Ninja.
O portão, que antes parecera apenas grande e sólido, agora parecia colossal, uma boca aberta pronta para me engolir. O símbolo da folha acima dele parecia me observar com uma autoridade fria. Cruzar o portão foi como atravessar um limiar invisível. O burburinho das ruas foi substituído por uma atmosfera diferente – uma mistura de disciplina contida, energia nervosa e o som distinto de treinamento vindo de pátios mais distantes.
O pátio principal estava cheio de crianças e alguns adultos – instrutores, provavelmente, identificáveis por seus uniformes e posturas alertas. Fui separado de Sanae com um último aperto de mão e e um murmúrio: "Ganbatte". Fiquei ali parado por um momento, perdido na multidão de rostos desconhecidos, sentindo um nó de ansiedade se formar em meu estômago. Era um mar de crianças, todas com idades próximas, mas com uma variedade surpreendente de aparências e atitudes. Alguns pareciam confiantes, quase arrogantes, já formando pequenos grupos. Outros pareciam tão perdidos e assustados quanto eu, agarrando-se às bordas do pátio.
Minha mente analítica entrou em ação, um mecanismo de defesa contra o pânico. Comecei a categorizar, a observar. Notei as roupas – algumas mais finas, outras mais simples. Notei símbolos de clãs bordados discretamente: leques Uchihas, nuvens dos Nara, redemoinhos Uzumaki. Alguns colegas se moviam com precisão treinada, outros ainda tateavam seu próprio corpo.
Fui guiado, junto com um grupo de outras crianças igualmente desorientadas, para dentro de um dos edifícios. Corredores longos, cheirando a madeira polida e algo mais, talvez óleo de limpeza ou o suor seco de treinos passados. Finalmente, entramos em uma sala de aula espaçosa. Fileiras de mesas e bancos de madeira simples estavam dispostas de frente para um quadro negro e uma plataforma elevada onde uma mulher estava parada, observando-nos entrar em silêncio.
Era ela — a sensei. Reconheci o uniforme padrão de Chunin, ou talvez, recém-promovida a Jounin, verde-escuro e funcional. Seus cabelos escuros estavam presos em um coque apertado, e seu rosto era jovem, mas sério, com olhos penetrantes que pareciam avaliar cada um de nós individualmente enquanto encontrávamos nossos lugares. Havia uma aura de competência e autoridade nela que silenciou imediatamente qualquer murmúrio ou agitação.
Sentei-me em um banco vazio, tentando parecer o menor e mais invisível possível. Olhei ao redor, registrando meus colegas de classe mais próximos. À minha direita, uma menina com cabelos castanhos curtos e olhos brilhantes e curiosos me deu um pequeno sorriso nervoso. Havia uma energia vibrante nela, mesmo na quietude tensa da sala. Hana? O nome que eu tinha delineado em meus pensamentos pareceu se encaixar.
Algumas fileiras à frente, um menino com uma postura rígida e um olhar desdenhoso examinava a sala como se estivesse avaliando a competição. Tinha cabelos escuros e rebeldes e uma expressão de quem se achava superior a todos ali. Kenji? A rivalidade parecia quase predestinada.
Vi outros rostos que chamaram minha atenção: um menino pálido com olhos que pareciam ver através das paredes – um Hyuuga, sem dúvida. Um garoto robusto que já mastigava algo discretamente – Akimichi. Uma menina com cabelos loiros presos em um rabo de cavalo alto, parecendo entediada – talvez uma Yamanaka?
O silêncio na sala foi quebrado pela voz clara e firme da instrutora.
"Silêncio." A palavra não foi gritada, mas carregava um peso que fez todos se endireitarem. Ela caminhou até a frente do quadro negro. "Eu sou Iroha. Serei sua instrutora principal neste primeiro ciclo da Academia." Seus olhos varreram a sala novamente. "Este não é um lugar para brincadeiras. Este é o lugar onde vocês começarão a aprender o que significa ser um shinobi de Konohagakure."
Sua voz era calma, mas havia um subtexto de aço. Ela falou sobre disciplina, respeito, esforço. Falou sobre a Vontade do Fogo, a filosofia que supostamente guiava a vila, embora a menção soasse um pouco ensaiada, quase protocolar. Falou sobre os perigos que Konoha enfrentava, a necessidade de protetores fortes e leais.
Enquanto ela falava, eu a observava atentamente. Iroha-sensei. Ela não parecia muito mais velha do que eu era em minha vida anterior. Teria ela lutado na última guerra? Teria ela perdido pessoas? Havia uma certa fadiga em seus olhos, por trás da fachada profissional, que sugeria que sim. Ela não era apenas uma professora — era uma sobrevivente, encarregada de moldar a próxima geração de vítimas.
"Aqui," ela continuou, apontando para as paredes da sala de aula, para os campos de treinamento lá fora, "vocês aprenderão a controlar seu chakra, a dominar seus corpos, a entender táticas e estratégias. Aprenderão a história de nossa vila e das nações shinobi. Mas, acima de tudo, aprenderão a trabalhar juntos e a colocar a missão e a vila acima de si mesmos."
A frase ficou ressoando como uma sentença velada. A essência do sistema shinobi. A justificativa para enviar crianças à morte. Senti um calafrio, apesar do calor abafado da sala.
Iroha-sensei começou então a chamar nossos nomes de uma lista, pedindo que cada um se levantasse brevemente. Quando ouvi "Akira",por um momento hesitei - meu coração acelerou. O nome parecia pertencer a outro. Mas minhas pernas se moveram antes da dúvida me paralisar.
O resto do dia foi uma introdução às regras e rotinas da Academia. Horários rígidos, expectativas claras, consequências rápidas para a desobediência. Fizemos alguns exercícios físicos leves no pátio – corridas curtas, alongamentos – que deixaram meus músculos pequenos doloridos e meu peito ofegante. Tivemos uma primeira aula teórica sobre a fundação de Konoha, com Iroha-sensei usando um mapa antigo e falando sobre Hashirama Senju e Madara Uchiha como figuras quase míticas.
Em tudo isso, mantive-me quieto, observando, absorvendo. Notei a dinâmica que já começava a se formar: Kenji, tentando se exibir nos exercícios físicos; Hana, tropeçando um pouco, mas persistindo com um sorriso determinado, o menino Hyuuga movendo-se com uma precisão quase assustadora. Eu me mantive na média, tentando não chamar atenção nem para o bem nem para o mal. Meu objetivo inicial era sobreviver e entender.
No final do dia, quando fomos dispensados, senti uma exaustão profunda, não apenas física, mas mental e emocional. O primeiro dia tinha sido avassalador. A disciplina, a atmosfera carregada, a presença constante da ideologia shinobi... era muito para processar.
Encontrei Sanae esperando do lado de fora do portão, seu rosto ansioso relaxando um pouco ao me ver. Segurei sua mão novamente, precisando daquele contato simples e real depois de um dia imerso na estranheza da Academia.
Enquanto caminhávamos de volta para casa, o sol começando a se pôr, olhei para trás, para o complexo da Academia se tornando menor à distância. Um novo mundo havia começado hoje. Um mundo de treinamento, de competição, de perigos velados e expectativas esmagadoras. Minha promessa silenciosa da noite anterior pareceu ainda mais frágil, mas também mais necessária.
Sob o olhar atento de Iroha-sensei, minha jornada como aspirante a shinobi de Konoha havia, de fato, começado.