O tempo no templo passava diferente. Não havia estações ali, só frio e calor, dia e noite, disciplina e cansaço.
Therys começou a acordar antes do sol. Gostava de sentir o gelo sob os pés, de ver a névoa branca cobrindo o chão das montanhas. Lia os textos antigos que Vhaen deixava no salão menor. Não entendia tudo, mas havia algo de tranquilizador nas palavras silenciosas.
Rhaziel, por outro lado, odiava o silêncio. Dormia tarde, inventava formas de treinar sozinho. Uma vez, escondeu-se no topo do templo e passou horas tentando fazer fogo dançar entre os dedos. Queria controle, mas no fundo gostava do caos.
Apesar das diferenças, havia uma ligação que nenhum deles sabia explicar. Quando um se machucava, o outro sentia. Não doía no corpo — doía em outro lugar.
Certo dia, durante um exercício, Vhaen os colocou em lados opostos de uma câmara subterrânea. As paredes absorviam som e luz. Teriam que atravessar a escuridão e confiar nos próprios sentidos.
Therys deu passos lentos. Respirava devagar. Cada batida de seu coração era medida. Sentia o ar mais úmido, o chão irregular. Pensava. Calculava.
Rhaziel avançava rápido. Não via nada, mas seguia o calor do próprio corpo, como se pudesse guiar-se pelo próprio instinto. Quando sentiu uma corrente fria vindo da frente, parou.
— É você? — sussurrou.
Therys não respondeu.
Um som seco — um estalo. Uma armadilha se ativou. Uma pedra caiu do teto. Therys a viu tarde demais. Rhaziel, sem pensar, pulou no escuro. Segurou o irmão pela cintura e os dois rolaram no chão.
Quando a poeira assentou, estavam juntos, ofegantes.
— Você podia ter se machucado — disse Therys, finalmente.
Rhaziel deu de ombros.
— E você podia ter morrido.
Subiram as escadas em silêncio, os joelhos ralados e os olhos estranhamente calmos.
No salão principal, Vhaen os esperava com chá quente.
— Vocês estão começando a entender — disse, sem perguntar nada.
Naquela noite, o calor que vinha do quarto de Rhaziel era mais suave. E o gelo que cobria a cama de Therys era mais fino, quase imperceptível.
Dormiram sem pesadelos.
E pela primeira vez, sonharam com a mesma coisa: uma árvore de raízes ardentes e galhos cobertos de neve, fincada no centro de um mundo partido.